Como o setor de restaurantes brasileiro mudou e não mudou desde a pandemia
Cinco anos após a COVID-19, o setor de alimentação fora do lar no Brasil continua resiliente, mas transformado em aspectos fundamentais que redefiniriam o modo como os brasileiros se relacionam com restaurantes.
O que permaneceu o mesmo
O brasileiro não abandonou sua paixão por comer fora. Apesar dos desafios econômicos, o setor de food service continua representando parte significativa dos gastos com alimentação no país. De acordo com a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), a recuperação do setor superou expectativas, demonstrando a força cultural que a alimentação fora do lar tem na vida social brasileira.
Eventos como happy hours, celebrações familiares e almoços executivos continuam sendo pilares de socialização, adaptados às novas realidades. Mesmo com pressões inflacionárias, a busca por experiências gastronômicas permanece forte nas principais capitais e cidades turísticas.
O que mudou
Padrões de consumo
Crescimento do delivery: Plataformas como iFood e Rappi, que já cresciam antes da pandemia, consolidaram-se como ferramentas essenciais para restaurantes de todos os portes. Em São Paulo, cerca de 65% dos restaurantes mantêm operações de delivery, mesmo após a reabertura completa.
Popularização do drive-thru: Redes como McDonald's e Burger King ampliaram seus pontos de drive-thru, enquanto marcas nacionais como Giraffas e Habib's investiram pesadamente nesse modelo.
Refeições em casa: O brasileiro adotou o hábito de pedir pratos mais elaborados para consumo doméstico, fenômeno que beneficiou restaurantes de médio e alto padrão como Outback, Coco Bambu e estabelecimentos independentes que souberam adaptar seus menus.
Ascensão das dark kitchens: Empresas como Food To Save e Kitchen Central expandiram operações por todo o Brasil, abrigando múltiplas marcas em um único espaço operacional.
Operações e eficiência
Digitalização acelerada: O uso de cardápios por QR Code, iniciado como medida sanitária, permaneceu em 83% dos estabelecimentos, segundo pesquisa da Abrasel.
Sistemas integrados: Restaurantes brasileiros adotaram tecnologias como o Presto, Goomer e Delivery Direto para otimizar operações e reduzir dependência de marketplaces.
Reinvenção de modelos: Marcas tradicionais como Pão de Açúcar e Eataly criaram modelos híbridos que combinam mercado e alimentação imediata.
Eficiência de pessoal: A produtividade por funcionário cresceu significativamente, com restaurantes operando com equipes 25% menores comparadas a 2019.
Mudanças geográficas
Decadência dos centros financeiros: Restaurantes em áreas como a Avenida Paulista e o Centro do Rio sofreram com a redução do fluxo de escritórios, com queda de 40% no movimento durante os dias de semana.
Ascensão de áreas residenciais: Bairros como Pinheiros (SP), Botafogo (RJ) e Águas Claras (DF) viram crescimento expressivo de operações gastronômicas, acompanhando a migração do trabalho remoto.
Interiorização: Cidades médias como Campinas, Ribeirão Preto e Londrina registraram aumento de 35% no número de restaurantes, atraindo inclusive redes antes restritas às capitais.
Tensões e desafios
Pressão inflacionária: O aumento nos preços dos alimentos (35% acima da inflação geral desde 2020) continua pressionando margens, com impacto direto nos cardápios.
Crise de mão de obra: A escassez de profissionais qualificados, especialmente cozinheiros e gerentes, tornou-se um problema crônico para o setor.
Falências de marcas tradicionais: Redes como Viena, Spoleto e China in Box enfrentaram reestruturações, redução de unidades ou mudanças de controle.
Impostos e custos operacionais: A carga tributária e os custos de aluguel continuam entre os principais desafios, especialmente para pequenos e médios negócios.
Novas expectativas dos consumidores
Valorização da experiência: Estabelecimentos como NB Steak, Coco Bambu e Rubaiyat que investiram em experiência completa registraram crescimento acima da média do setor.
Conscientização social: Consumidores brasileiros passaram a valorizar mais práticas sustentáveis e responsabilidade social, favorecendo negócios como Pranzo e Mocotó, que mantêm compromissos claros nessas áreas.
Preferência por marcas locais: Houve fortalecimento de restaurantes com identidade regional forte, como Casa do Porco (SP), Manu (PR) e Mangue Azul (CE).
O futuro do setor no Brasil
A pandemia foi um divisor de águas para o mercado nacional de restaurantes. Como resumiu João Dória Jr., da Abrasel: "O setor não apenas sobreviveu, mas reinventou-se de maneira surpreendente. Restaurantes hoje são mais tecnológicos, mais eficientes, mas enfrentam o desafio de manter a alma e o calor humano que sempre caracterizou nossa gastronomia."
Especialistas indicam que a capacidade de equilibrar inovação tecnológica com a experiência humana será o diferencial para os próximos anos. Para Alex Atala, do D.O.M., "o brasileiro quer a conveniência do delivery e do digital, mas não abre mão de momentos especiais em ambientes que proporcionem conexão real. É o desafio do setor: ser eficiente sem perder a essência."
Restaurantes como Maní, Tuju e Gero demonstram que investimentos em experiências memoráveis, combinados com operações digitais eficientes, representam o caminho mais promissor em um mercado que segue em transformação, mantendo suas raízes culturais enquanto abraça novas possibilidades.